Uma curandeira oferece poções para o corpo e sabedorias para a alma. Entre ervas e aromas, causos e poemas, ela busca remediar os males de quem a procura.
A criação do texto teve a participação decisiva de Reinaldo Maia (in memoriam) como orientador da criação dramatúrgica e que, mais do que isso, colocou-se mesmo como um grande mestre ensinando a materializar os anseios: ele propôs questões que Adriana Fortes respondia na escrita, assistiu a ensaios, releu transcrições de improvisações propostas pela diretora Melani Halpern e, cheio de humildade, ajudou as duas artistas a parir seu intento.
A narrativa se construiu a partir de contradições e encontros, onde pudessem coexistir sem nenhuma disputa hierárquica, o conhecimento científico, a cultura oral, o questionamento político e a reverência ritual. Um reflexo da complexidade da vida.
“… o que entendemos, então, por este termo (complexidade). Num primeiro sentido, a palavra complexus significa ‘aquilo que é tecido em conjunto’. E é este tecido que se deve conceber¹”
O uso de fontes diversas na elaboração do texto partiu da necessidade de se valorizar outros discursos civilizatórios no contexto da peça. Ficou claro também que a dramaturgia não poderia ser racional e sim, falada ao coração.
Assim, a trama emprestou as cores das fontes diversas como dos cantos do cancioneiro popular, da literatura contemporânea, escritos das Tradições religiosas, roteiro cinematográfico e repertórios da oralidade (publicados).
Além das palavras da autora Adriana Fortes que constituem a maior parte da obra, era necessário trazer a reverberação das de outrora, como dos contos de sabedoria e dos upanishads hindus para compor o tecido dessas híbridas palavras.
¹MORIN, Edgar. O desafio do século XXI, religar os conhecimentos. Instituto Piaget, Lisboa. ISBN: 972-771-402-1
Desde sua estréia em 2007, A Curandeira tem emocionado o público e instigado a percepção que favorece uma relação amorosa com a Natureza
Em 2011, sob os auspícios da Lei Rouanet, A Curandeira circulou pelo interior do Estado de São Paulo, lotando os teatros municipais e/ou centros culturais das cidades de Assis, Paraguaçu Paulista, Tarumã, Maracaí, Ipaussu, Santa Cruz do Rio Pardo e Ourinhos – sempre fazendo novos amigos.
Dentro e fora de São Paulo, A Curandeira já atendeu os convites de:
Autoria e atuação: Adriana Fortes
Direção e produção: Melani Halpern
Dramaturgia: Reinaldo Maia (in memorian)
Cenografia, figurinos e adereços: Bum Design
Trilha Sonora Original: Gustavo Finkler
Iluminação: Miló Martins
Arte Gráfica: Cintia Viana
Ilustrações: Murilo
Tratamento e adereços do figurino: Mônica Nassif
Criação da peruca: Maria Sem Vergonha (Ligia e Karla)
Costureira: Judith
Consultoria em Máscara e Gestual: Ésio Magalhães
Receitas aromáticas: Juliana Fortes
Pesquisa de histórias tradicionais: Giliane Ingratta
Estudos Simbólicos: Leo Lama
Fotografias: Lenise Pinheiro, Alexandre Diniz e Leonardo Rudá
Gravação em DVD: Bianca Halpern e Leonardo Rudá
Edição: Marcelo Pontes
Idealização e Realização: Confraria das 3 Águas
A Curandeira é um drama popular permeado pela comicidade de D. Maria Veneranda, que contracena com uma pedra e conversa, além do público, com um alecrim. O espetáculo dura o tempo da feitura do remédio para um homem e para uma mulher presentes na platéia. No decorrer da ação, a personagem compartilha suas histórias e recordações chegando mesmo à recordação de algo que por muito tempo manteve à sombra do esquecimento.
A curandeira ouviu a Terra gemer e então se pôs a caminhar em busca do remédio para a humanidade. Dor, revolta, tristeza e alegria, são alguns dos aspectos vividos pela personagem diante da platéia. Além disso, a atriz percorre um caminho de recordações, compartilhando com o público uma reflexão sobre a postura do artista fazedor de teatro, a partir do confronto da ficção e da realidade, do ator e do personagem, do ser humano e suas máscaras. A Curandeira é o destrinchar do trabalho do ator em experienciar com o público esse paradoxo.
Sobre uma encruzilhada branca, D. Maria Veneranda, que é velha, em tempos de cirurgias plásticas; curandeira de ervas, na era da indústria farmacêutica; contadora de estórias antigas, em tempos de informações frenéticas, acolhe o público com seu jeito brincalhão e descontraído e, no entanto, ironiza e questiona o homem que desperdiça seu potencial humano e inteligência, ao viver apartado da natureza, reduzindo seus pensamentos e práticas, a monoculturas – sejam agrícolas, mentais ou emocionais.
No âmbito da encenação, se lançou mão do uso de elementos voltados a intensificar a sensorialidade na atriz e no público. O espetáculo busca despertar a percepção do espectador em vários níveis, ao recepcioná-lo em um ambiente permeado por aromas, cuja base é o óleo essencial de alecrim. Misturando-o a outros óleos, cria-se um aroma que favorece a concentração, a alegria e aguça a memória, fundamental para esse processo de recordação do ser que a peça conduz.